Teletrabalho: Quais os Direitos do Trabalhador em Portugal?
O teletrabalho tornou-se uma realidade consolidada no mercado laboral português, especialmente após a pandemia. Hoje, milhares de trabalhadores desempenham as suas funções a partir de casa ou de qualquer local remoto – mas poucos sabem exatamente quais são os seus direitos.
Em Portugal, a lei laboral contém normas específicas que protegem os trabalhadores remotos, garantindo igualdade de tratamento, compensação adequada de despesas e limites ao controlo empresarial.
Este artigo explica, de forma clara e acessível, quais os direitos do trabalhador em teletrabalho, quando é possível exigir este regime e o que deve constar de um acordo de teletrabalho.
O Que É o Teletrabalho segundo a Lei Portuguesa?
O teletrabalho está definido no artigo 165.º do Código do Trabalho português, que o descreve como:
“A prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informação e comunicação.”
Na prática, para existir teletrabalho é necessário que:
- o trabalho seja prestado à distância, fora das instalações da empresa;
- o trabalhador continue subordinado ao empregador (recebendo instruções e cumprindo regras internas);
- a atividade dependa de tecnologias de informação e comunicação (computador, internet, software, plataformas digitais, etc.).
É importante distinguir teletrabalho de trabalho remoto informal:
- Teletrabalho – Exige acordo escrito, com condições definidas (art. 166.º).
- Trabalho Remoto Informal – É pontual, não exige contrato específico e não está sujeito às mesmas regras (ex.: um dia por semana por conveniência).
O Código do Trabalho em Portugal permite várias formas de organização do teletrabalho, desde:
- teletrabalho integral
- teletrabalho parcial
- modelo híbrido (parte em casa, parte na empresa)
Normalmente, o empregador não pode impor teletrabalho unilateralmente, nem o trabalhador pode iniciar teletrabalho sem acordo prévio. O acordo deve ser escrito, conforme o artigo 166.º, e incluir elementos como horário, local de trabalho, fornecimento de equipamentos, condições de pagamento de despesas, entre outros.
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Quem Tem Direito a Exigir Teletrabalho?
Embora o teletrabalho dependa normalmente de acordo entre as partes, o Código do Trabalho português prevê situações nas quais o trabalhador tem direito a exigir teletrabalho e o empregador não pode recusar, salvo impossibilidade comprovada.
Pais com filhos até 3 anos ou com deficiência, doença crónica ou doença oncológica
O artigo 166.º-A diz que o trabalhador pode pedir teletrabalho quando:
- tem um filho com menos de 3 anos, ou
- tem um filho, de qualquer idade, com deficiência, doença crónica ou doença oncológica,
desde que viva com ele na mesma casa.
O empregador só pode recusar por escrito invocando motivo estruturado e objetivo, como:
- incompatibilidade com funções;
- inexistência de meios técnicos;
- impacto grave na organização da empresa.
Se o trabalhador discordar, pode solicitar à ACT a verificação da fundamentação apresentada. A ACT deverá pronunciar-se no prazo de cinco dias úteis.
Pais com filhos até 8 anos
O artigo 166.º-A estabelece que trabalhadores com filhos até 8 anos podem exigir teletrabalho quando:
- o teletrabalho seja compatível com as funções;
- a empresa disponha de meios e recursos para o permitir;
- o trabalhador vive em situação de família monoparental.
Quando ambos os progenitores têm possibilidade de exercer teletrabalho, podem alterná-lo em períodos sucessivos de igual duração, até ao limite de 12 meses consecutivos.
Este direito aplica-se se:
- o teletrabalho for compatível com as funções do trabalhador, e
- a empresa tiver condições para o permitir.
Nestes casos, o empregador só pode recusar se mostrar que é mesmo impossível. A recusa deve ser feita por escrito e com explicação clara.
O direito dos pais com filhos até 8 anos exigirem o teletrabalho não se aplica quando o empregador é uma microempresa (até 9 trabalhadores).
Cuidadores informais
O Artigo 166.º-A prevê ainda que os cuidadores informais não principais têm direito a teletrabalho, desde que:
- haja reconhecimento da condição de cuidador informal;
- exista compatibilidade com as funções;
- a empresa disponha de meios adequados.
Os cuidadores informais não principais podem usufruir do teletrabalho pelo período máximo de 4 anos (seguidos ou intercalados).
Cuidadores informais principais têm direito ainda mais amplo e prioritário, desde que cumpridos os requisitos funcionais e técnicos.
Situações adicionais que dão direito a teletrabalho
O Código do Trabalho prevê ainda proteção especial para vítimas de violência doméstica. As vítimas que tenham:
- apresentado queixa formal contra o agressor, e
- necessidade de abandonar a residência habitual,
podem solicitar a prestação de trabalho em regime de teletrabalho sempre que esta medida contribua para a sua segurança e proteção, evitando deslocações para um local profissional conhecido pelo agressor.
Direitos do Trabalhador em Teletrabalho
O teletrabalho não reduz direitos – esta é a regra de ouro do Código do Trabalho português. O trabalhador remoto deve ter exatamente as mesmas condições que teria se estivesse presencialmente na empresa, salvo adaptações inerentes ao regime.
Direito à igualdade de condições em teletrabalho
Segundo o artigo 169.º, o trabalhador em teletrabalho deve beneficiar de:
- igual retribuição;
- igual acesso a formação;
- igual progressão na carreira;
- igual duração do trabalho;
- igual proteção em caso de despedimento;
- igualdade de condições de saúde e segurança.
O teletrabalho não pode ser usado para prejudicar o trabalhador ou diminuir direitos. Isto inclui o acesso a prémios, benefícios internos, avaliações de desempenho e oportunidades de promoção.
Direito ao fornecimento de equipamentos para exercer o teletrabalho
Segundo o artigo 168.º, é obrigação da empresa:
- disponibilizar todos os equipamentos e sistemas necessários ao teletrabalho (computador, software, telefone, acessórios, etc.);
- garantir a instalação, manutenção e suporte técnico.
Se o trabalhador usar equipamento próprio, isso não altera direitos e deve ser acordado por escrito.
Direito ao pagamento de despesas adicionais resultantes do teletrabalho
O artigo 168.º determina que o empregador deve compensar todas as despesas adicionais comprovadas resultantes do teletrabalho, nomeadamente:
- energia;
- internet;
- outros consumos ou serviços necessários à prestação de trabalho.
Esta compensação:
- deve ser paga mensalmente;
- não está sujeita a IRS nem a contribuições para a Segurança Social, desde que respeite os limites legais;
- não pode ser substituída por “ajudas de custo gerais”.
Limites máximos de isenção fiscal
A Portaria n.º 292-A/2023 estabeleceu os valores máximos diários isentos de IRS e Segurança Social para compensações de despesas de teletrabalho:
- 0,10 € / dia – consumo adicional de eletricidade;
- 0,40 € / dia – consumo de internet pessoal;
- 0,50 € / dia – utilização de computador ou equipamento informático próprio. Se a entidade empregadora fornecer os equipamentos necessários, a compensação relativa ao uso de computador próprio não se aplica.
Assim, o montante máximo isento de impostos é, regra geral, de 1 € por dia. Valores superiores passam a ser considerados rendimento do trabalhador, ficando sujeitos a IRS e contribuições para a Segurança Social.
Nos casos em que exista um contrato coletivo de trabalho que o preveja, estes limites podem subir até 1,50 € por dia.
As regras relativas à compensação de despesas – montante, forma de cálculo e periodicidade – devem constar de acordo escrito entre trabalhador e empregador, tal como exige o artigo 166.º do Código do Trabalho português.
Direito à privacidade e proteção de dados em regime de teletrabalho
O artigo 170.º estabelece limites rigorosos ao controlo do trabalhador:
- o empregador não pode usar meios de vigilância à distância para controlar desempenho;
- não é permitido vigiar o domicílio do trabalhador;
- gravações de vídeo ou áudio só são legais com consentimento expresso e finalidades específicas;
- monitorização informática deve ser proporcionada e comunicada previamente.
O trabalhador também tem direito a recusar-se a mostrar o seu espaço doméstico em videochamadas, salvo necessidade objetiva e excecional. Sempre que seja necessária a visita ao domicílio do trabalhador remoto, é necessário aviso prévio e consentimento do trabalhador.
Direito à segurança e saúde no trabalho em regime de teletrabalho
Mesmo quando o trabalhador exerce funções em casa, o empregador continua responsável por garantir condições adequadas de Segurança e Saúde no Trabalho, conforme dita o artigo 170.º-A:
- avaliação das condições de trabalho;
- formação em ergonomia;
- prevenção de riscos físicos e psicossociais;
- realização anual de exames médicos;
- disponibilização de meios de proteção.
A empresa pode, mediante consentimento e agendamento (entre as 9 e as 19 horas), avaliar o local de trabalho remoto.
Direito ao seguro de acidentes de trabalho em regime de teletrabalho
Os trabalhadores em teletrabalho mantêm a mesma proteção prevista para o trabalho presencial no que diz respeito ao seguro de acidentes de trabalho. Isto significa que qualquer acidente ocorrido:
- no local de teletrabalho indicado no acordo, e
- durante o período normal de trabalho,
é considerado acidente de trabalho, estando totalmente coberto pela apólice da empresa, nos termos da Lei n.º 98/2009.
Para garantir essa proteção, cabe ao empregador informar a seguradora sobre o regime de teletrabalho, fornecendo:
- nome do trabalhador;
- período normal de trabalho;
- morada exata onde o teletrabalho é prestado;
- confirmação de que existe autorização prévia para esse local.
Direito à desconexão em regime de teletrabalho
A legislação portuguesa introduziu o direito de não ser contactado fora do horário de trabalho, previsto no artigo 199.º-A. Esta alteração foi introduzida pela Agenda do Trabalho Digno. Em regime de teletrabalho:
- o empregador não pode exigir respostas após o horário;
- contactos excecionais devem ter justificação séria;
- não pode haver consequências negativas por não atender fora de horas.
O teletrabalho não coloca o trabalhador em disponibilidade permanente.
Leia também Direito a Desligar: O que Diz a Lei em Portugal?
Deveres do Trabalhador em Teletrabalho
Tal como o teletrabalho não reduz direitos, também não elimina os deveres gerais do trabalhador previstos no Código do Trabalho. Estes deveres continuam a aplicar-se integralmente, com algumas adaptações próprias do trabalho remoto.
Segundo os artigos 169.º-A e 169.º-B, o trabalhador em teletrabalho deve:
- informar de imediato o empregador sobre quaisquer avarias ou falhas nos equipamentos ou sistemas utilizados na prestação do trabalho;
- cumprir todas as instruções de segurança da informação, garantindo a proteção de dados e da informação produzida no âmbito das suas funções;
- respeitar as restrições definidas pela empresa relativamente ao uso pessoal dos equipamentos fornecidos (computador, software, redes, acessos);
- observar as orientações de segurança e saúde no trabalho, incluindo ergonomia, condições de trabalho adequadas e prevenção de riscos;
- comparecer presencialmente em reuniões, formações ou outras atividades sempre que a presença física seja necessária, desde que seja avisado com pelo menos 24 horas de antecedência.
Cumprimento do horário acordado
Mesmo trabalhando a partir de casa, o trabalhador continua obrigado a:
- respeitar o horário de trabalho estabelecido no contrato ou no acordo de teletrabalho;
- cumprir pausas, descansos diários e descanso semanal;
- iniciar e terminar o trabalho dentro das horas estipuladas.
O teletrabalho não confere autonomia para alterar o horário sem autorização da empresa.
Leia mais sobre: Isenção de Horário de Trabalho: Tudo o que Precisa de Saber e Horário Laboral em Portugal: O Que Diz a ACT?
Disponibilidade durante o período de trabalho
Durante o horário acordado, o trabalhador deve:
- manter-se contactável pelos meios definidos pela empresa;
- responder a instruções e solicitações relacionadas com a atividade profissional;
- participar em reuniões ou formações desde que ocorram dentro da jornada de trabalho.
Isto não significa estar sempre disponível – o direito a desligar continua plenamente garantido e veda contactos ou exigências fora do horário de trabalho.
Como um Software de Controlo de Horas Facilita o Teletrabalho?
O teletrabalho exige formas de controlo que sejam transparentes, simples e respeitem a privacidade. Um software de controlo de horas cumpre exatamente esse objetivo, permitindo registar o início e fim da jornada, pausas e eventuais horas extra – tudo sem recorrer a meios de vigilância proibidos pela lei.
Estas ferramentas ajudam as empresas a cumprir a obrigação legal de registo de tempos, garantem maior organização em equipas remotas ou híbridas e reforçam direitos essenciais como o limite da jornada e a desconexão.
Com sistemas digitais adequados, o teletrabalho torna-se mais seguro, mais eficiente e mais equilibrado para empregadores e trabalhadores.
O Que Pretende Mudar o Governo no Regime de Teletrabalho?
O anteprojeto de reforma da legislação laboral para 2025 propõe alterações significativas ao regime de teletrabalho atualmente em vigor. Entre as principais mudanças previstas encontram-se as seguintes:
1. Nova definição legal de teletrabalho
O conceito passa a ser descrito como:
“A prestação de trabalho em regime de subordinação jurídica do trabalhador a um empregador, em local não predisposto por este e necessariamente através do recurso a tecnologias de informação e comunicação.”
Esta definição enfatiza dois elementos centrais:
- o trabalho ser prestado fora de local disponibilizado pelo empregador;
- o uso obrigatório de tecnologias de informação e comunicação.
2. Acordo de teletrabalho deve definir regime presencial e remoto
O acordo passa a ter de estabelecer expressamente se o teletrabalho é:
- permanente, ou
- de alternância entre períodos de trabalho remoto e períodos presenciais.
3. Empresas deixam de ter de justificar a recusa ao teletrabalho pedido pelo trabalhador
O anteprojeto revoga a regra atual que obriga o empregador a recusar por escrito e com fundamentação quando o pedido é compatível com as funções.
Com esta alteração, a recusa torna-se mais simples e menos vinculada a critérios objetivos, diminuindo a proteção ao trabalhador.
4. Deixa de existir proteção especial quando o teletrabalho é proposto pelo empregador
Atualmente, quando o teletrabalho é proposto pelo empregador, a recusa do trabalhador:
- não precisa de ser fundamentada, e
- não pode originar despedimento ou penalização.
O anteprojeto elimina esta norma, reduzindo as garantias do trabalhador face a propostas de teletrabalho apresentadas pela empresa.
5. Atualização das regras sobre compensação de despesas
O acordo de teletrabalho – ou o instrumento de regulamentação coletiva – deve passar a fixar obrigatoriamente o valor da compensação por despesas adicionais. Este valor deve ser:
- proporcional, quando exista alternância entre teletrabalho e trabalho presencial;
- comprovado mediante documentos ou critérios objetivos.
6. Possibilidade de alterar temporariamente o local de trabalho remoto
Passa a ser permitido ao trabalhador mudar temporariamente o local de teletrabalho, desde que:
- comunique com 5 dias de antecedência;
- o empregador não se oponha dentro desse prazo.
7. Eliminação de exames de saúde obrigatórios para teletrabalho
O anteprojeto extingue:
- o exame de saúde obrigatório antes do início do teletrabalho;
- os exames anuais obrigatórios enquanto o trabalhador se mantiver neste regime.
A avaliação médica continua possível, mas deixa de ser uma exigência legal.
Nota de Advertência Importante
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